Autor: Carlos Paiola, Gerente da Aquarius Software e Membro do Grupo de Estudo da Norma ISA-106 da ISA Distrito 4, cpaiola@aquarius.com.br

(Artigo originalmente publicado pela Revista Controle & Instrumentação, N° 221)

A ISA106 e sua importância

Estatísticas de segurança evidenciam que a maioria dos acidentes não relacionados a falhas mecânicas acontecem durante situações pouco frequentes, principalmente em partidas e desligamentos de unidades [Ref. 1], onde são executados procedimentos manuais que, sem a presença de um profissional especializado, podem ficar a cargo de operadores pouco experientes que, seguindo procedimentos mal descritos ou incompletos, podem perder o controle do processo e causar perdas de produto, equipamentos e até mesmo causar acidentes que comprometam a vida de pessoas ou o meio ambiente.

Na prática, é muito comum visitar as indústrias e deparar-se com inúmeras situações onde os operadores tem que tomar o controle manual de procedimentos operacionais complexos. Mesmo em plantas bastante automatizadas, é frequente presenciar cenas de partida do processo, ajuste de matéria-prima, manutenção de linha ou outros ajustes no processo sendo feitos manualmente pelos operadores, sem seguir um roteiro específico. Em muitos casos, não há documentação oficial dos procedimentos e cada operador realiza-os de maneira diferente, tornando o resultado final dependente de habilidades pessoais.

Neste cenário surge a ISA106, uma recente norma da ISA (The International Society of Automation) que visa regular a automação de procedimentos operacionais na indústria.

Para a criação desta norma, seu comitê utilizou principalmente os conceitos da ISA88 – norma para controle de processos em batelada – e da ISA95 – norma para integração entre os sistemas corporativos e de controle. É possível interpretar a ISA106 como uma espécie de junção desses dois temas, permitindo a completa automação de uma indústria de processo contínuo, considerando todo o processo como uma grande batelada a ser automatizada de ponta a ponta – da entrada de matéria-prima e da criação da ordem de produção até o produto acabado –, independente de quantas etapas manuais ou automáticas houver dentro desse contexto.

É possível dizer que a principal intenção da ISA106 é garantir as ações corretas no momento certo.

A norma aborda a Automação de Procedimentos através de tópicos como:

Como toda norma da ISA, a ISA106 traz todas as boas práticas para o tema ao qual se propõem e é melhor aproveitada através da leitura de seus relatórios técnicos. O relatório ISA-TR106.00.01 sobre modelos e terminologia já está disponível.

A norma usa três modelos chave: modelo físico, modelo de requisitos de procedimentos e modelo de implantação de procedimentos. Cada um começa com o nível corporativo e vai até o nível dos equipamentos de campo, como apresentado na figura 1 [Ref. 1].

Fig. 1 – Os três tipos de modelos operacionais em paralelo, cada qual com sua função específica.

Uma forma muito simples de estruturar e aplicar os conceitos da ISA106 é através do uso de Diagramas de Funções Sequenciais (SFC) com seus passos, ações e transições que permitem automatizar um processo, considerando a execução de cada tarefa manual ou automática, transitando de um passo para outro e respeitando um conjunto de regras previamente estipuladas.

Os procedimentos costumam ser executados por diversos operadores. Quando não são devidamente documentados, fica difícil identificar o passo a passo de cada execução e, consequentemente, de analisar qual foi mais correta ou eficiente. Mas, se há o registro dos procedimentos executados, é fácil analisar e identificar quais foram as melhores práticas, possibilitando a criação de um procedimento ótimo, que poderá ser seguido de maneira automatizada por todos. A figura 2 [Ref. 2] ilustra essa ideia.

Fig. 2 – Procedimentos não documentados podem ser executados de maneira diferente por diferentes pessoas. A automação dos procedimentos visa identificar as melhores práticas e padronizá-las para trazer consistência à operação.

A proposição de valor e um exemplo de sistema de Automação de Procedimentos

Um sistema de Automação de Procedimentos pode ser usado para garantir a aplicação da norma ISA106 ao definir as ações corretas e orientar o operador com instruções interativas passo a passo, sempre que necessário. Dessa forma espera-se obter:

  • Captura e registro do conhecimento e das melhores práticas realizadas pelos operadores especializados.
  • Digitalização dos procedimentos operacionais (e-SOPs – Electronic Standard Operating Procedures);
  • Diminuição do tempo de parada, manutenção e do custo operacional;
  • Registro eletrônico automático das ações efetuadas para auditoria e para atendimento de normas regulatórias (p.e. 21 CFR Part 11);
  • Orquestração automática dos trabalhos e interação entre diferentes sistemas e indivíduos;
  • Menor variabilidade de execução;
  • Maior qualidade e menor retrabalho (fazer certo da primeira vez);
  • Maior eficiência operacional, reduzindo erros e replicando boas práticas;
  • Menor tempo de resposta aos alarmes e ações corretivas mais precisas;
  • Redução de custos pela diminuição de desperdício e rejeitos;
  • Gerenciamento de ativos e da manutenção;
  • Treinamento e simulação de ocorrências;
  • Gerenciamento das tarefas em todos os níveis da produção;
  • Ajuste de máquina e de linha de produção;
  • Integração inteligente de dados entre sistemas e processos diferentes (p.e. SCADA e CMMS);
  • Menor risco operacional e escalada automática de urgência;
  • Assistência para tomada de decisões em tempo real.

Há softwares no mercado que tornam possível a implantação da Automação de Procedimentos sem qualquer necessidade de programação, através da configuração de fluxos de trabalho (workflows) em diagramas sequenciais para a execução das tarefas, sejam elas manuais ou automáticas (exemplo na figura 3).

Fig. 3 – Exemplo de ferramenta para Automação de Procedimentos – configuração visual de sequenciamento de tarefas.

Esse tipo de sistema permite a automação de todas as tarefas relativas a determinado processo, sejam elas manuais ou automáticas, com possibilidades de envio automático de alarmes por email e SMS para os respectivos responsáveis por cada ação.

Ele permite ainda padronizar a interface de troca de dados entre diferentes sistemas, como os de controle (SCADA, DCS), de manutenção (CMMS), de gestão (MES, ERP), etc. através da implantação do conceito de SOA (Arquitetura Orientada à Serviços). Essa funcionalidade é particularmente interessante, uma vez que na arquitetura de software tradicional das empresas, cada aplicativo é construído com uma função bastante particular e com seu próprio conjunto de usuários, dados, objetivos e interfaces exclusivas, criando “ilhas de automação”. O conceito do SOA tem por premissa eliminar essas ilhas e criar um ambiente que encare os softwares da planta como um conjunto de serviços que possam interagir entre si, coordenados por regras de negócio. Cada serviço consome ou fornece certa coleção de dados e consiste na implantação de uma determinada atividade, bem definida no contexto geral da empresa e de cada processo definido na ferramenta de Automação de Procedimentos, reduzindo e simplificando a comunicação entre os diferentes sistemas [Ref. 3].

Para visualizar a execução das etapas e interagir com esse tipo de sistema, é disponibilizada uma interface que pode ser acessada através do sistema SCADA (figura 4) ou em aplicação cliente própria, sendo possível o acesso em estações fixas ou mesmo por dispositivos móveis, como smartphones e tablets (figura 5).

Fig. 4 – Exemplo de acesso ao sistema através da interface de operação SCADA.

Fig. 5 – Exemplo de acesso ao sistema através de dispositivo móvel. No exemplo, um iPAD.

A interface do sistema permite acompanhar em tempo real o status e sequenciamento de cada etapa do processo. Ela permite a interação com o sistema, liberando acesso a manuais ou procedimentos que devam ser executados (figura 6), bem como a inserção manual de informações sobre a execução dos passos e detalhes verificados.

Fig. 6 – Acesso a procedimentos detalhados de cada etapa e possibilidade de inserção de dados manuais.

A Automação de Procedimentos é algo futurístico?

Apesar da ISA106 ser uma norma recente, a Automação de Procedimentos não o é. Há uma série de indústrias – dos mais diferentes segmentos – que já faz uso de ferramentas para a Automação de Procedimentos há muitos anos.

O surgimento da norma deve ser, na verdade, encarado como um incentivo adicional para a implantação de um sistema com tal capacidade e para iniciar a obtenção dos benefícios de sua utilização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] Wilkins, Maurice; Tennant, Marcus. ISA-106 and Concepts of Procedural Automation. ISA. Página visitada em 06 de dezembro de 2015. [https://www.isa.org/intech/20150605/]

[2] Wray, Bill. Intech Magazine. ISA106 and the Importance of Automating Manual Procedures. Edição de Nov/Dez de 2014.

[3] Paiola, Carlos E. G.; Vieira, Ricardo Caruso. Rompendo os Limites dos Sistemas Tradicionais – Aplicação de SOA no Ambiente da Automação. Revista Controle & Instrumentação, 2011. Página visitada em 06 de dezembro de 2015. [http://www.aquarius.com.br/artigo-rompendo-os-limites-dos-sistemas-tradicionais-aplicacao-de-soa-no-ambiente-da-automacao]

Palavras-chave: ISA106, ISA 106, ISA-106, ISA88, ISA 88, ISA-88, ISA95, ISA 95, ISA-95, Automação de Procedimentos, Procedural Automation, Workflow Management, BPM, MES.

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